sexta-feira, fevereiro 10, 2006

Afinal o desenrasque é bom ou mau?

Uma das características distintivas da gestão em Portugal parece ser o desenrasque. Um estudo feito com gestores portugueses e expatriados em Portugal assim o indicava, traduzindo de resto uma intuição corrente. Os portugueses parecem ser mestres na arte do desenrasque e aparentemente demonstram algum orgulho nisso. Mas, afinal, o que é o desenrasque? Quais as suas consequências?

O desenrasque é por vezes tomado como sinónimo de improviso ou improvisação. Talvez valha a pena, no entanto, traçar uma distinção entre ambos. A improvisação é a arte da variação criativa deliberada sobre uma estrutura ou um plano. A improvisação necessita de estrutura, embora divirja dela. A estrutura é um apoio à criatividade, pelo que a improvisação ocorre melhor na presença de estruturas mínimas, isto é, suficientemente fortes para facilitarem a coordenação e a harmonia, mas abertas à novidade.

Nas organizações, essas estruturas podem tomar a forma de objectivos e responsabilidades. No jazz podem ser uma melodia e um conjunto de convenções sociais.

A improvisação é, em suma, um processo paradoxal, altamente estruturado e profundamente criativo. O desenrasque parece ser mais criativo que estruturado. É um jazz menos melodioso e mais livre. Pode produzir pequenos milagres e envolve uma componente criativa que é estimulante para os seus praticantes. Não é por acaso que ser "enrascado" é socialmente negativo e ser "desenrascado" é um motivo de orgulho.

Será o desenrasque um exclusivo português? Nada o leva a crer, já que existe evidência da mesma preferência por acção do tipo improvisado/desenrascado noutros países, designadamente nos latinos, incluindo a Espanha.

O horror ao desenrasque parece aliás maior junto dos profissionais oriundos de países com práticas de gestão mais desenvolvidas ao longo de décadas de gestão moderna - e afinadas na burocracia genuinamente moderna do Norte da Europa e não na sua aparentada pré- -moderna, que se difundiu no Sul da Europa, onde ainda persiste. Nos países do Norte, os planos são tomados a sério, as regras são universais e os desvios devem ser excepcionais. No Sul, os planos terminam muitas vezes com a apresentação em power point, as regras admitem uma paleta de excepções e o seguimento do plano é a excepção.

Em termos da superioridade dos modelos, os resultados falam por si. O orgulho lusitano na arte do desenrasque talvez apenas mostre que "there can be too much of a good thing". A consequência são anedotas como a relatada por um participante no estudo acima referido "A fábrica ideal na Europa teria gestores holandeses e operários alemães. Ao meio, dentro de uma redoma de vidro um português. No vidro estaria colado o aviso: quebrar em caso de emergência." C

Para desenvolver o assunto

Aram, J. D., & Walochik, K. (1996). Improvisation and the Spanish Manager. International Studies of Management and Organization, 26 73-89.

Ballas, A. A. & Tsoukas, H. (2004). Measuring Nothing The Case of the Greek National Health System. Human Relations, 57, 661-690.

Cunha, M. P. (2005). Adopting or Adapting? The Tension between Local and International Mindsets in Portuguese Management. Journal of World Business, 40(2), 188-202.
Miguel Pina e Cunha

Director de MBA da Universidade Nova de Lisboa

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